sexta-feira, 11 de novembro de 2011

TENHO TANTAS SAUDADES

Tenho tantas saudades
Como folhas tem o trigo,
Não as conto a ninguém,
Todas consumo comigo.

Tenho tantas saudades
Como areias tem o mar,
Tantas, tantas, noite e dia,
Que não as posso contar.

Francisco de Lacerda

terça-feira, 11 de outubro de 2011

NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

Antero de Quental

domingo, 11 de setembro de 2011

PENSAR EM DEUS É DESOBEDECER A DEUS

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! ...

Alberto Caeiro

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

NO CORAÇÃO, TALVEZ

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago

segunda-feira, 11 de julho de 2011

EIXOS

Ver é estoutra aflição, expiada
Na dor de ser visto: o dito,
O visto, contidos na recusa
De falar, e de uma só voz a semente,
Sepultada no acaso de uma pedra.
Nunca as minhas mentiras me pertenceram.

Paul Auster

sábado, 11 de junho de 2011

RIO

As águas vêm de longe,
trazem o mundo,
os montes a terra as pedras
os bichos e o pólen
as folhas e a luz
a chuva o granizo
e a sede dos homens
o rumor das noites e dos dias.
Rio vivo, quase mudo,
cheio de água
cheio de terra
cheio de tudo.

João Pedro Messeder

quarta-feira, 11 de maio de 2011

DO DESEJO

não se extinga o desejo que nos faz viver,
Deus do nosso desejo

alimenta em nós o fogo das paixões
que nos leva a agir
e o fogo da palavra que por dentro queime
e faça escuta

tu que és o guardião do nosso desejo,
aviva a chaga que o nosso imaginário
constantemente quer sem falha;
que vivamos o nosso desejo sem culpabilidade

circuncide-nos o coração a espada do amor,
pregão antigo e novo
em nosso corpo adormecido e acordado

Fei José Augusto Mourão